Criação de política pública permanente para que povos indígenas tenham contato com itens ancestrais é uma demanda histórica
or meio da Secretaria de Articulação e Promoção de Direitos Indígenas (SEART) e o Departamento de Línguas e Memórias Indígenas (DELING), o Ministério dos Povos Indígenas (MPI) vem desenvolvendo recomendações e protocolos para que povos indígenas tenham acesso a bens e objetos de suas culturas que estão em museus nacionais ou localizados no exterior. O processo é conduzido pelo Grupo de Trabalho (GT) de Restituição de Artefatos Indígenas, criado em 2023, em virtude da necessidade de lidar com o retorno de peças inestimáveis para o Brasil.
Inicialmente, o GT foi aberto para tratar do retorno do manto Tupinambá, pertencente ao povo de mesmo nome que habita o sul da Bahia. Isso deu ensejo a um debate mais amplo sobre a repatriação de outros artefatos, documentos, peças e objetos que estão fora do Brasil por terem sido levados durante a colonização. Objeto raro, o manto retornou da Dinamarca, mais precisamente do Museu Nacional do país nórdico, e chegou ao Museu Nacional, localizado no Rio de Janeiro, na última quinta-feira (11). Na quarta-feira (10), 598 artefatos de 40 povos indígenas do Brasil que estavam no Museu de História Natural de Lille, na França, também voltaram ao país de origem.
“É mais que um mero retorno. É um processo de reparação histórica como um todo, com o envolvimento ativo do GT, que olhou para o manto como ponto de partida para a criação de uma política pública que irá aproximar povos indígenas de objetos muitas vezes sagrados”, disse a ministra Sonia Guajajara. Ela classificou a devolução do manto como um “caso paradigmático para dar luz a um enfoque mais abrangente” nos trâmites de repatriação de itens inestimáveis para a cultura nacional.
Com o andamento do GT, os membros participantes notaram que, a partir da experiência adquirida com o envolvimento dos múltiplos órgãos para trazer o manto de volta, é necessário construir recomendações para esses retornos, para firmar fluxos e protocolos para povos indígenas terem acesso aos espaços que os armazenam. O GT trabalha diante de uma perspectiva estruturante, ou seja, para desenvolver metodologias no âmbito jurídico, administrativo e cultural ao lidar com a possibilidade de devolução e recepção dos artefatos.
O MPI foi um dos responsáveis por trazer visibilidade ao retorno do manto Tupinambá, que estava no país europeu desde 1689, uma vez que a portaria Nº 223/2023 criou um GT com a finalidade de acompanhar, apoiar e propor medidas relativas à repatriação de artefatos indígenas que se encontram em museus situados no exterior e que atualmente passam por processo de condução ao país de origem através de acordos internacionais.
A previsão é que o manto passe a ser exibido no Museu Nacional da Universidade Federal do Rio de Janeiro nos primeiros meses do segundo semestre. Estima-se que o Museu perdeu cerca de 80% do acervo por conta de um incêndio ocorrido em setembro de 2018.
Escuta junto aos Tupinambá
Entre os dias 1º a 4 de abril deste ano, o MPI compareceu ao território Tupinambá, na Serra do Padeiro e em Olivença, como a única entidade a cumprir com todo o processo de escuta junto às lideranças e à comunidade indígena, conforme prega a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT). O objetivo foi consultá-los sobre a importância e a relação que possuem com o manto, que tem caráter religioso, para trazê-lo de forma adequada.
O item é feito com penas vermelhas da ave guará e técnicas de costura ancestrais. Conforme o Museu das Culturas Indígenas (MCI) do Estado de São Paulo, a indumentária chegou a Copenhague em 1689, mas foi provavelmente produzida quase um século antes. A devolução ao Brasil contou com a articulação entre instituições dos dois países, incluindo a Embaixada do Brasil na Dinamarca, o Museu Nacional e lideranças Tupinambá da Serra do Padeiro e de Olivença (BA).
Há registros de outros mantos Tupinambás em museus europeus que teriam sido produzidos nos séculos 16 e 17 e que foram trocados ou simplesmente saqueados durante a colonização. No Brasil, fisicamente, não restou nenhum.
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